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A escolha de partir

  • Foto do escritor: Renata Jaeger
    Renata Jaeger
  • 14 de mai.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 12 de jun.

“Vocês sabem quem é este senhor na foto?”


Essa é a pergunta que costumo fazer quando facilito workshops sobre Ciências Comportamentais. Sempre gostei de começar assim, trazendo a figura do Kahneman, o “pai” das ideias sobre sistema 1 e sistema 2 (juntamente com seu parceiro de estudo, Amos Tversky), sobre os atalhos mentais que tantas vezes nos levam a erros em nosso julgamento e tomada de decisão.


Kahneman foi um grande pesquisador. Sua obra atravessou a economia, a psicologia, a saúde, a política, entre tantas outras áreas. E atravessou também a minha trajetória profissional e pessoal. Para mim, ele foi um mentor distante, humilde, sábio. Um daqueles professores com quem a gente aprende muito, mesmo sem nunca ter cruzado pessoalmente.


A notícia de como aconteceu a sua morte, divulgada no mês passado, me acertou em cheio. E não foi qualquer morte — foi uma escolha: morte assistida, em uma clínica na Suíça, aos 90 anos. Por mais que fosse alguém já idoso, por mais que partir nessa idade faça parte de um ciclo natural, o baque pra mim foi enorme. Levei horas para processar a notícia. A sensação era a de ter perdido alguém próximo, como se meu pai ou avô tivessem tomado essa decisão de partir.


Durante a minha pós-graduação em neurociência e comportamento, numa disciplina sobre luto e o enfrentamento da morte, aprendi mais sobre as diferentes faces da dor humana. A dor e o sofrimento não são apenas físicos: têm também caráter psicológico, social, espiritual. O sofrimento pode até se manifestar no corpo, mas vai muito além — chega nos afetos, nos vínculos e também no sentido que damos à existência.


Enquanto a expectativa de vida nos EUA chega a cerca de 78 anos, o health span — anos vividos com saúde — é, em média, 12 anos menor. Isso mesmo em um país que gasta mais com saúde do que qualquer outro no mundo. Será que estamos priorizando prolongar a vida a qualquer custo, em vez de viver melhor?


A possibilidade de escolha sobre o fim da vida traz perguntas difíceis, que talvez nunca encontrem uma resposta única ou definitiva: por que prolongar a vida quando ela já não faz sentido para quem a vive? Em que momento uma pessoa tem, ou deveria ter, o direito de decidir que é hora de ir? Quais seriam os limites? E os requisitos?


A decisão de alguém tão conhecido por explorar a irracionalidade humana em optar por um fim consciente mexe com muitos temas em debate na sociedade. No caso de Kahneman, tudo indica que ele fez sua última escolha de maneira lúcida e consciente. Mesmo assim, a escolha dele emociona e desafia.


Kahneman moldou a forma como pensamos sobre o mundo e sobre nós mesmos. Sua decisão de partir talvez seja sua última e mais profunda contribuição: nos lembrar que viver – e morrer – também pode ser uma escolha.


“Vocês sabem quem é este senhor na foto?”


Vou continuar fazendo essa pergunta. E falando sobre ele.


Com admiração e respeito,


Renata Jaeger.



Referências

CAULFIELD, Catharine; et al. Comparison of Life Expectancy and Health-Adjusted Life Expectancy in the United States and Other High-Income Countries, 1990 to 2020. JAMA Network Open, v. 6, n. 3, 2023. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2803698. Acesso em: 12 jun. 2025.

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