Foco não é superpoder. É design.
- Renata Jaeger 
- 4 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de set.
E se nossa habilidade de desenvolver foco fosse como cuidar de uma planta?
O foco como recurso vivo
Recentemente terminei a leitura do livro Foco Roubado, de Johann Hari. Hari é um jornalista que passou alguns anos entrevistando especialistas em psicologia, medicina e cultura digital, além de embarcar em uma jornada pessoal para tentar recuperar seu foco.
Na minha trajetória pessoal, por muito tempo acreditei — de forma simplista e até ingênua — que a minha capacidade de focar era um recurso que poderia acessar a qualquer momento e em qualquer ambiente. Esse fato é especialmente curioso porque, já adulta, recebi um diagnóstico de TDAH (recebi, porque não foi algo que eu busquei ativamente). Esse diagnóstico não alterou em quase nada a minha rotina, já que desde adolescente, eu buscava diferentes caminhos para lidar melhor com meu foco e bem-estar geral – dos esportes à meditação.
Hari, em uma das metáforas do seu texto, compara nossa atenção a uma planta:
Acreditamos que o nosso foco seria como um cacto: resistente, sempre disponível, mesmo em condições adversas. Hoje sabemos que ele se parece muito mais com uma orquídea: exige cuidado, ambiente adequado e condições propícias para florescer.
Particularmente, gostei muito dessa metáfora. Ao longo das minhas experiências e do que eu estudo, concluí algo fundamental que é abordado em profundidade no livro: o problema do foco não está apenas na nossa capacidade individual, mas em grande parte nos sistemas que estão desenhados ao nosso redor.
Parece óbvio? De fato, é. Mas quantas vezes o óbvio não precisa ser dito repetidamente — afinal, a teoria é sempre mais fácil do que a prática. Já falamos por aqui que somos humanos e temos algumas falhas em nossos processos cognitivos – consciente ou inconscientemente.
O que rouba nossa atenção
Vivemos em um cenário hoje no qual a distração não é acidente, mas um modelo de negócio. As maiores corporações do mundo já não são mais montadoras ou indústrias tradicionais: são empresas que disputam, com algoritmos autoadaptativos sofisticados, cada segundo do nosso tempo.
O resultado? Uma luta desigual entre nossa mente e plataformas que pensam cuidadosamente o design para capturar nossa atenção. Isso explica por que muitas vezes tentamos nos concentrar em algo significativo — um artigo, uma conversa, uma tarefa de trabalho — e acabamos arrastados para um outro vórtex de notificações, abas abertas no nosso navegador ou timelines infinitas (recurso este que foi um ponto de virada importante na indústria da atenção).
Entre fragmentação e fluxo
Hari propõe um paralelo interessante: é como se vivessemos tensionados entre duas forças: fragmentação e fluxo. A fragmentação nos torna mais dispersos, mais irritados – menores. O fluxo nos expande, aprofunda e acalma.
O estado de fluxo, conceito concebido pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi em seu livro Flow, é aquele momento em que mergulhamos em uma única atividade e perdemos a noção do tempo, com prazer e foco sustentado. Mais do que uma sensação de produtividade, o fluxo é a experiência ótima da vida: momentos em que corpo e mente são levados ao seu limite em algo que faz sentido para cada pessoa.
Esse estado não é um dom raro, mas uma experiência acessível a qualquer pessoa quando certas condições estão presentes: clareza de objetivos, equilíbrio entre desafio e habilidade, feedback imediato e liberdade de distrações. São nesses momentos que conseguimos organizar nossa consciência, direcionando energia psíquica para metas claras e desafiadoras – e, dessa forma, experimentamos uma forma mais perene de felicidade.
Mas o fluxo não acontece por acaso: depende de sistemas que o tornem possível. Criar contextos que favoreçam essa experiência — no trabalho, nos estudos ou no lazer — é fundamental. Não basta disciplina individual; é preciso ambientes que equilibrem desafios com habilidades, atribuam propósito e reduzam distrações.
Sem atingir esse estado em algumas atividades, podemos ficar com a sensação de estar em muitos lugares ao mesmo tempo, sem estar intencionalmente onde estamos. O fluxo reforça: foco não é superpoder individual — é design. De ambientes, de rotinas, de incentivos e de escolhas.
Condições para cultivar o foco
Assim como uma planta precisa de luz, água e solo fértil, o foco depende de condições concretas. Entre as mudanças que Hari relata em sua própria vida e os achados de especialistas, alguns elementos se destacam:
- Evitar a troca constante de atenção, reduzindo o excesso de tarefas e estímulos; 
- Criar limites para o uso de tecnologias projetadas para capturar nossa atenção e tempo; 
- Estimular o brincar espontâneo nas crianças — base para atenção e resiliência futuras (achei esse capítulo especialmente interessante); 
- Priorizar o sono, não como luxo, mas como um alicerce biológico da atenção; 
- Deixar a mente divagar em momentos livres, fundamentais para o cérebro efetivar conexões entre o que aprendeu e/ou criou; 
- Manter hábitos que sustentem a saúde do corpo e do cérebro, como exercícios físicos e uma boa alimentação. 
Esses elementos não são “dicas de produtividade”, mas práticas fundamentais para cuidar de um recurso escasso: nossa capacidade de viver presentes e conectados com o que importa.
A rebelião da atenção
Cuidar do foco é mais do que uma questão individual: é uma escolha também coletiva e cultural. Hari propõe que façamos algo enquanto sociedade para cuidar desse recurso que vem sendo explorado pelas maiores corporações do mundo.
Isso significa não aceitar a lógica da dispersão como inevitável e repensar os ambientes em que vivemos e trabalhamos — desde os espaços físicos até os fluxos de comunicação, metas e indicadores. Organizações têm um papel central nisso: podem ser espaços que sabotam a atenção ou que a cultivam intencionalmente. Quando criamos esses ambientes, cultivamos não só a produtividade que organizações tanto buscam, mas também a saúde, a criatividade e o sentido.
Por isso, vale a reflexão: sua empresa está promovendo condições para que as pessoas possam focar no que importa?
Criar contextos que favoreçam a atenção é um ato estratégico. E, mais importante do que isso: é um ato de cuidado com as pessoas. 
Por isso, trate a atenção como uma planta rara. Cuide, regue, e – sobretudo – proteja. 
Referências
- Hari, Johann. Stolen Focus: Why You Can't Pay Attention—and How to Think Deeply Again. 2022. 
- Csikszentmihalyi, Mihaly. Flow: The Psychology of Optimal Experience. 1990. 










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